sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Conversa com o escuro



Olhar para dentro não é simples. Não basta um movimento de pálpebras. O desejo desse enxergar suplanta mirar, fixar um ponto. Demanda um querer profundo, de verdade, que erga véus, puxe cortinas, destranque portas, tente abrir janelas - o que antes de curar sempre machuca um pouco. Ou muito. É duro, difícil encarar as próprias fragilidades e mazelas, colocar o dedo nas feridas... que todos temos.

Sim, todos temos, em algum lugar, a pele sensível sobre a qual assenta alguma história de ferimento ou dor. Ninguém chega onde chega sem enredo, sem uma trajetória, passagens de dificuldades e inseguranças entre vitórias. Estacionados não estaríamos aqui. O movimento é vital. O que permanece parado tende a perecer. E com a ação cursam os tropeços, os deslizes... que fazem o trajeto. É natural. Nem mesmo o que é límpido por natureza, como a água, aceita a estase. Estraga.   

Não, ninguém anda impune, a jornada é de aprender. Felizmente também é possível somar com a subtração. O que tira também pode agregar. É do tombo que se aprende a levantar. Entretanto, cada um reage de modo particular diante do "infortúnio". Alguns dão-se atenção logos aos primeiros impactos, observam arranhões superficiais antecipando cuidados, prevenindo maiores lesões. Há, contudo, os que só despertam diante de grandes estragos: precisam de susto. Machucam-se muito primeiro, antes de pensar em voltar o olhar para um outro lugar... dentro de si.

Olhar para dentro é apenas um passo, início, começo de uma lonnnga viagem de destino ignorado. Ninguém sabe onde pode parar, o que virá a ver, que impactos terão suas andanças. É girar a maçaneta para abrir a porta da razão num universo tão maior, também muito emocional. É possível navegar outro infinito absoluto... e o desconhecido mete medo, causa temor.

Mirar o mundo de fora é aparentemente mais seguro. Essa vista tem um limite, alcança até certo ponto e voilà, aí está ! Olhar para dentro pede estar disposto à mudança, ao menos à tentativa. É encarar o escuro em busca de luz: requer alguma coragem. Mas é um caminho de cura. O papel de vítima pode ser uma veste aparentemente confortável... por algum tempo. Contudo, o ser que anseia crescer precisa de outra roupa, deve renovar o vestuário a cada etapa. E para isso utilizar também o espelho de dentro, que fala verdades... que é preciso ouvir.