sexta-feira, 13 de junho de 2014

Cabeça de escritor



Como, com que instrumentos opera um escritor ? Como anda a cabeça desse ente movido a palavra e emoção ?

Sim, sua natureza é essa, seu perfume é esse. Não pode Escrever quem não sente e, apropriando-se da palavra, não a exercita com ardor. Comparecer, testemunhar, estar diante, pode gerar um escrivão, resultar num transcritor, produzir um narrador de fatos, acarretar um emissor de dados... mas não um escritor. Este ser deve tremer diante das coisas, balançar interiormente, vibrar como corda acionada. Contrário for, não há de compor, conceber, criar... de modo a tocar, co-mover. Sem emoção, nominará coisas, realizará relatos, ofertará informação, podendo até ter autoria, ser rotulado com E, maior. Contudo, se não manar com alma, não parir do ventre, com sentimento, não há de ser levado pelo outro - o que lê - dentro de si.

Um escritor - ente eventualmente estranho, introspectivo, aéreo - funciona captando evidências e, sobretudo, entrelinhas. Fermentando o fruto em silêncios... de modo a ter potência de vinho, depois. Para tanto, tem de respirar... e absorver a atmosfera do instante, os ares do alheio, ao redor de si. Deve incorporar, por capilaridade, osmose... intuição, os fluidos circulantes às cercanias. Apreender do alto, do chão... do meio. E ajuntar suor de tento, devotamento, desvelo à missão.

Tem de conectar-se, como antena, à energia emanada. Filtrá-la, processá-la, transmitindo-a transformada. Embutida em palavras que, por sua vez, deverão alcançar, e atingir, e afetar, sacudir... habitando outro alguém.

Esse ser, o escritor, tem de ser tomado por presença, contagiado pelo ensejo. Invadido pelo vírus particular do sorver, do mergulhar. E auscultar a chance, e dançar o momento. Tem de trazer a escrita nas entranhas, porta-la na pele, levá-la circulante em si. Ter necessidade de, impulso para. Nadar na atenção, sugar o pólen do que encontra... para converter em mel... que o alimenta. Ele depende disso ! Não como objeto, um meio, mas como fim em si.

Assim, presente, se abastece. E se provoca, e se cultiva... e então se colhe... e dá à luz. Uma semente a cada verso, um filho a cada folha - ainda que invisíveis a olhos nus. Sua essência caminha,  muda, move-se... até estar no que produz.

A cabeça do escritor contém seu peito, comporta seus pés, carrega seu útero. Vive em experiências de degustação. É como anda, é como come, é como bebe, é como gesta. Escrever - grande energia - é seu prazer, seu orgasmo, sua graça... sua luz.