A porta de aba dupla, grande e grossa, divisava o descanso e o exercício de andança diária, a passeio. Aberta, do interior do edifício centenário, oferecia o velho mundo a nova exploração: através, diante dela, o convite à aventura, renovado a cada manhã.
A rua estreita à sua frente recebia, primeiramente, o peso da expectativa, depois, o deleite da missão cumprida, aos fins de jornada, em noite de dia claro, mais longo em luz. Os pés que cedo apontavam para fora, pedindo marcha, eram os mesmos que voltavam, apontando recolhimento. Carregavam, contudo, ao anoitecer, um ente diferente: invariavelmente com algo mais. Um ser ao mesmo tempo mais leve, abarrotado de satisfação, e mais denso em conteúdo, avolumado de experiências.
Ah, aquele que cedo partia e tarde retornava, reiterada e virtualmente colheu e se apossou de tudo que os sentidos puderam perceber, alcançar. A travessia oferecia e ele amealhava, ávido, com vontade, transportando toda sorte de volumes invisíveis dentro de si.
Trouxe consigo todas as flores dos jardins sem arrancar uma sequer. E as vozes das crianças, tão docemente sonoras naquele idioma, contempladas a cada encontro. E os andares elegantes, velados com sobretudos, decorados em echarpes, coroados em chapéus. E as vitrines de apurado senso estético, planejadas - com sucesso - para enlevar e seduzir.
Colecionou adereços de fachadas, tetos, colunas. Agarrou cada cor e cada forma em harmonia, atinando o destoante também. Bem, talvez tenha escapado... muita coisa. Quisera o tempo disponível fosse ainda mais farto, fausto ! Ah, mas, ao contrário, a atenção abundante, ativa, absorvente, desdobrou-se em captação intensa.
Independentemente de destino, caminhos foram festa. As calçadas regulares, conservadas, relativizavam os percursos, reduzindo o peso das longas distâncias percorridas... flanando. É, não deve mesmo haver verbo mais adequado a descrever as excursões à pé, cruzando territórios em pleno, contínuo namoro de detalhes !...
Certamente muito perde quem, em metrô ou sobre a comodidade de quatro rodas, não saboreia cada quadra, metro a metro de novidade, charme, surpresas. Que deixa de penetrar esse rico universo de hábitos, costumes, histórias, e de vê-los desfilar diante de si, cifrados em formas, cheiros, tons tão particulares.
Das padarias aconchegantemente decoradas com variedade imensa de pães rústicos, às confeitarias - preciosas em delicadezas e com status de boutiques - tudo incita ao namoro, instiga ao deguste. Calçadas dão lugar a bancas de livros, oferecendo-se ao folheio. Dividem espaço com mesas e cadeiras dos cafés, voltadas para a rua, convidando a ver e ser visto, como se tudo - de carros a pedestres - pudesse ser um espetáculo. E é.
Não, não é exagero. O velho novo mundo às cercanias daquela porta não apresenta-se atraente simplesmente por ser alheio, diverso ao nosso solo gentil e pátria amada. Ele difere, e cativa, e deslumbra "sofrendo" de eufonia: soando bem em conjunto. Um conjunto ricamente belo, precioso em suas partes.
Ah, aquele que cedo partia e tarde retornava, colheu e se apossou de tudo que os sentidos puderam abraçar. Inebriou-se, embeveceu-se. Descobriu o que é um vício. Tem Paris sob a pele, em suas veias.