RETRATOS de LITERATURA ILUSTRADA - Prosa & Poesia & Fotografia
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
Criar espécies, cultivar jardins
Ainda que as relações humanas sejam uma arte, criar parece um termo apropriado a objetos. Interagir e direcionar provavelmente sejam termos mais adequados, exprimam melhor o papel de relação com o outro.
Recebemos influências e influenciamos. Colaboramos com a edificação alheia, oferecendo um tijolinho aqui outro acolá, uma argamassa de vez em quando para colar o que já está. Ah, mas ninguém constrói ninguém !... Não em segunda, terceira pessoa. O papel do pai, do amigo, do indivíduo é ofertar. O que o outro vai fazer, como usar, é intransferível, uma missão particular.
O meio ao redor não está exatamente sob nosso controle. É, sim, possível administrar uma série de variáveis nessas equações. Entretanto, ainda assim, resta-lhes sempre algum espaço para a incógnita. Não possuímos as rédeas da existência. Podemos até brincar de deuses, às vezes... mas só brincar !
Viver é um exercício de relacionamentos... com fatos, objetos, seres, instituições... e com a própria natureza. Com todas as naturezas: a que denominamos ambiente, a nossa, pessoal, e a dos demais seres vivos, particularmente únicos. Um trabalho e tanto, uma vez que todas essas variáveis são compostas de estratos dependentes de desejos, ferramentas, capacidades... em que muito contam o poder de observação e adaptação.
Estamos todos em viagem. Viemos não se sabe exatamente de onde - o que temos são suposições "satisfatórias" - e nosso destino também é duvidoso. Aparecemos com uma certa bagagem e vamos amealhando malas, deixando pacotes, recolhendo coisas, guardando e nos desfazendo de toda sorte de elementos. Fazendo planos, vislumbrando rumos, caminhamos com sonhos, sem certezas... reformando a própria casa, colaborando com as obras alheias... ou não.
Estamos, a todo instante, sendo estimulados a dar e potencialmente receber. A todo momento instados a optar, a escolher. O universo nos faz ofertas ininterruptamente. Algumas acintosas, claras, objetivas... outras sutis, veladas, misteriosamente disfarçadas. Algumas soam como convite, outras como ordem, ou imposição. A algumas atendemos, outras ignoramos, outras sequer percebemos. Mas nenhum ato é isolado, nem sequer um pensamento. E o que fazemos deles ? Ah... infinitas são as possibilidades !
Algo parece certo: nossos limites encontram os alheios. O poder exercido sobre nós mesmos pode ser gigantesco, quem sabe infinito... mas o poder sobre o outro esbarra na individualidade de cada tu, de cada você. Assim, sem condições de determinar suas reações, é prudente investir atenções no exercício de poder pessoal. Depender da imprevisibilidade do que nos cerca pode tornar-nos ainda mais frágeis, até mesmo reféns.
Fundamental cultivar o próprio solo para deitar as próprias sementes, receber as que nos são doadas e as que, por ventura, sejam trazidas pelo "vento". Ainda que nem sequer sobre nós sejamos plenamente eficazes e a colheita particular dependa também de fatores externos, melhorar as condições do próprio solo incrementa o potencial de germinação e desenvolvimento.
Podemos não nos tornar flores e frutos incrivelmente belos e fortes, resistentes a toda sorte de intempéries e pragas... mas investir nesse cultivo cabe a quem quer ver-se crescer.
Mais produtivo não esperar que venham regar nossos pés. Cabe a cada um fortalecer suas raízes.