quinta-feira, 26 de junho de 2014

Antes, durante... e depois do adeus


Sr. Franklin


Encontrava-o com frequência à garagem, aos fins de tarde, trazendo compras, indo e vindo em viagens de afazeres... e sorrisos. Estacionava e ia descendo pacotes, caixas, com calma... até o elevador. Andar natural, tranquilo, elegante. Achegava-se, solícito, conversador. Aguardava, a acompanhar, a dividir o elevador. De saída, esperava: dava vez ao outro carro, sem pressa... e invariavelmente sorridente.

Encontrava-o com frequência à portaria, bem cedo, às manhãs, apanhando seus jornais. Descia de pijamas - curtos, em malha leve de algodão. Conversava, alegre, sem pudores, como se em sua casa. Era onde estava. Agia tão naturalmente que a sala coletiva fazia-se particular, também da gente. Uma graça !...

Admirava-o em silêncio, enlevada... ante ao conjunto de alegria. Quadris largos, glúteos roliços, circunferência abdominal proporcional. Camisas claras acompanhando o riso convidativo, abertamente acolhedor, desenhado em face de pele lisa. Desde primeiro instante, meu personagem de história, ente de conto de fadas - ajudante de Branca de Neve, talvez.

Sem deparar-me com ele, encontrava-o também. Sua imagem frequentemente desfilava em lembrança, aludindo ao ser contente, exemplo bom, de boa gente, placidamente feliz. Era assunto, exemplo, retrato... de um ideal de madurar: doce "envelhecer". Julgava-o às voltas de uns setenta e poucos... sendo tomada de susto, de encanto, ao lhe saber aos noventa. Uma delícia de ver !

Ausentei-me. Ele também. Embarcamos em viagens diferentes. Voltei. Ele se foi !... Mas só daqui, deste aparente. Porque, suavemente, plantou seus frutos, deixou pegadas, sementes. Conquistou, com simplicidade, espaço na memória, um lugar na eternidade de verdade, que não carece de corpos. 

Há quem não dependa de longos e frequentes contatos para deixar marcas. Há quem seja capaz de imprimi-las em segundos, instantes de encontros. Como é bom assistir a sorrisos genuínos ! Mentes, almas, corações abastecem-se desses exemplos de exposições suaves, naturais, sem força. Assim laços se fazem facilmente, indeléveis. De um aparente pouco muito pode nascer.

Há seres que passam... e ficam.
Aqui, uma homenagem e um anseio: que se celebrem as essências, em presença... antes, durante... e depois do adeus.