sábado, 13 de setembro de 2014

Matéria



Do que a gente precisa, de verdade ? As coisas que mais importam não são coisas... mas é coisa muita que muita gente quer.

Olhando ao redor, vistoriando a própria sala, sei que tenho mais do que preciso. Poderia, sem dúvida, viver bem sem muito do que me cerca, sem muito do que disponho. Mas é fato, me pertencem... por algum tempo. E, se ali estão, adentraram por opção: um lar não tem lugar para imposição. Assim, o que possuo é escolhido... ainda que oferecido por outro alguém.

É, as coisas que mais importam não são coisas... mas é coisa que muita gente quer. É humano, é natural, não há mal nisso. O senão aparece adiante, na questão de limites, mal pensados, e nem sempre fáceis de estabelecer. Sem grandes reflexões, tendemos a agir... simplesmente suprindo supostas necessidades, satisfazendo concretos desejos. Reiterados, renovados, constantes, de instante a instante. Desse modo, movemo-nos amealhando matéria, agregando pertences.

Diferente do movimento de aquisição, o de cessão, dispensa, não é tão corrente. Envolve desapego, desprendimento. Dispor do obtido, abrir mão, fazer andar... parece sempre mais difícil. Às vezes penoso, dolorido: um quase parto. Não somos tão abnegados como gostaríamos de ser. Também não tão generosos. Quantas vezes guardamos aquilo que já perdeu função e nem mais útil é ?! No mundo dos objetos concretos, nossa tendência inerente é juntar, amontoar. Parecem, na prática, verbos mais fáceis de conjugar.

Quantos de nós questionam-se de verdade, pra valer, acerca dessas necessidades todas ? Somos movidos por muitos impulsos imponderados. Cedemos facilmente a apelos que calem momentaneamente alguma carência - virtual ou real. E como pode ser difícil separá-las, distingui-las, julgá-las com isenção !

Sim, precisamos de elementos tangíveis para viabilizar nossa existência. E que bom quando podemos obtê-los, dispor deles usufruindo de benesses que nos poupem tempo, esforço, que nos presenteiem com comodidades, prazeres extras, sítios para outras experiências e mais momentos livres !...

E quem não gosta ?! Há quem não aprecie uma dose extra de conforto, uma via a mais de mimo, um luxozinho de vez em quando ?!

Este espaço não quer fazer apologia à vida monástica, diminuir propriedades e benefícios do que é inegável, convencer ninguém a movimentos de mudanças radicais. Simplesmente questionar, oferecer uma pergunta: do que realmente precisamos para viver ?

Provavelmente um breve olhar para dentro e bastante do que mantemos fora receberia outro valor. Provavelmente pesariam menos algumas "faltas", algum "não ter". Provavelmente alteraríamos algumas coisas de lugar nas prateleiras das prioridades. Provavelmente...

Basta consultar a história, perguntar às lembranças sobre nossos melhores momentos. Basta trazer à baila os instantes mais especiais de nossas existências, aqueles que jamais esqueceremos. Aqueles que saltam à memória com os melhores adjetivos, mudando de imediato nossa mímica, invadindo em onda boa nosso recheio. Evocando um bocado de alegria passada ao presente.

Experimente fazê-lo e a resposta deverá ser... que precisamos de momentos de emoção doce, de contentamento do coração. De experiências de paixão, de presença de amor. Instantes feitos de elementos impagáveis, inacessíveis aos bolsos, sem reprises... e essenciais.

Olhando ao redor, vistoriando a própria sala, localizo um pouco disso em fragmentos de matéria. O que possuo tem história, bagagem de memória, passado: significado. São porções visíveis de emoções vividas. Amostras, reminiscências de eventos, momentos marcantes, intensos, desfrutados com gosto. Materializações possíveis de pessoas, pedaços de acontecimentos que não voltam... mas que vêm, nova-mente... pelo olhar. São simbolismos: lembretes do que é importante.

Não são coisas com valor intrínseco de mercado mas com valor ao portador. Algumas adquiridas por muito pouco, outras de custo ignorado, presentes que foram. Entretanto, todas valiosíssimas ! Algo que visitante pode olhar mas não é capaz de apreender. Não enfeitam, portanto, o aparador para despertar desejo. Não desfilam em balcão para levantar aplausos, sinalizar $. Têm utilidade... ainda que só pareçam adereço: são expressões de sentimento que chamam felicidade, com o poder de adoçar interior.

Do que a gente precisa, de verdade ? Cada um deve ter o direito de responder por si. Mas talvez, antes disso, o dever de efetivamente exercitar a questão.