RETRATOS de LITERATURA ILUSTRADA - Prosa & Poesia & Fotografia
terça-feira, 28 de outubro de 2014
Ideal e desafio
Não, ninguém tem todas as respostas. Sim, parece mais fácil aferi-las e arbitrá-las aos outros que para si. O universo do próprio umbigo, apesar de próximo, íntimo, pode ser mais complexo e adverso que o sideral. E tão mais misterioso que esse outro que nos cerca ! Viajar-se, penetrar-se sem disfarces ou armaduras, não é tarefa fácil ou confortável. Demanda volume de sinceridade e humildade... de que dificilmente dispomos. Requer esforço e coragem... de verdade.
Não é simples aceitar que dúvidas nos preencham, tomando lugar de confortos desejados, certezas ansiadas, adequações fundamentais. Não é fácil admitir-se frágil, incompleto, dividido entre dúvidas e discernimentos. Ah, mas este é um mundo humano, de mortais !... Atire a primeira pedra o invulnerável, o constante, o ser sem medos, maestro pleno de si ! Dê um passo à frente aquele que nunca é pego de surpresa, desprevenido, e que, para ação ponderada, precisa antes de mais nada domar instintos, ordenar sentimentos.
Porque emoção é reação primeira, degrau de começo... em processo de fuga ou enfrentamento, em qualquer situação. É resposta inicial de mecanismo intrínseco, natural: coisas da biologia. É pela expressão emocional que o corpo atesta o que o ser vive, o que se passa internamente. Só então a mente processa com consciência a informação, que pode ser trabalhada com verbos e outros adjetivos. Assim, o ser inteligente é, antes de mais nada, um ser emocional. Não obstante muitos assemelhem-se a paredes, ou gostem de parecer inabaláveis, nenhum humano é como tal.
Há etapas, ciclos naturais na vivência dos mortais. Entre diferenças virtuais e evidentes, alguns expõem-se mais humanos, deixam-se mais transparentes, enquanto outros guardam esses sintomas mais para si. De uma forma ou de outra, percorremos a existência ligando-nos uns aos outros, em diversos graus. E ainda que razões, regras e valores possam nos aproximar, é o sentimento que nos une, que nos ata.
Emoções são estratégias atávicas de sobrevivência. Além disso, funcionam como cola... ou não. As positivas, direcionadas ao prazer, tendem a nos aproximar, enquanto as negativas a afastar, em tentativa de redução de dor. Desse modo, para estabelecer laços é imprescindível "coração". A empatia não é uma teoria mas, como atesta a ciência, um exercício de evidências... nem sempre ao alcance do olhar.
Há sempre algo a aprender, a todo instante. Ninguém se basta ou sabe o bastante. Parece, aliás, que é quando nos julgamos possuidores desse saber que a vida acena com novidades, impõe surpresas, oferece outros testes, faz novos convites. Enquanto gostaríamos de ocupar a sólida posição de motoristas, dirigentes do próprio destino, também viajamos no banco de trás, passageiros do alheio e de nós mesmos, em viagem... de evolução.
E o primeiro bastião é sempre a emoção. A ser cuidada, tratada com carinho, observada com atenção... para somar degraus seguintes, de análise e ação. Negar as emoções, fugir dos sentimentos, é esconder-se de si mesmo, limitar-se, reduzir potenciais, relegar a própria vida.
É producente que as frontes mirem adiante, em direção ao passo seguinte. É interessante que o olhar alcance o alto... como bússola. Mas parece não haver dúvidas de que é preciso também saber do chão para conquistar estrelas. Talvez por isso a vida bata... e a gente apanhe: para amaciar a carne, dobrar joelhos, curvar a espinha, baixar narizes. Para dar perspectivas, colocar nos devidos lugares os plurais e os singulares. Buscar equilibrar conjuntos, complementar diferenças naturais.
Sim, antes do ator inteligente, somos pele que arde, sangue que corre, energia que emana. Exclamações andam lado a lado com as interrogações. Ninguém navega um só mundo, ninguém nada águas isoladas. Assim ou assado, ao ponto ou bem passado, o ideal é um lugar distante... e uma utopia boa a buscar. O grande desafio é trafegar, dançar... com alegria... entre prática e teoria !...